Texto de Srta. Bia.
Vou muito ao cinema. Todo ano tendo fazer uma lista de meus filmes preferidos, mas esse ano decidi pensar quais seriam os bons filmes feministas que vi em 2012.
Com certeza você viu algum filme que não vi, especialmente filmes que não sejam produções americanas, sinta-se convidado a deixar sua contribuição nos comentários. Sei também que há o Teste de Bechdel, que muita gente usa para avaliar a participação de mulheres em filmes. Porém, minhas regras para montar essa lista foram:
- Ter uma personagem feminina no papel principal;
- O filme deve ter estreado nos cinemas brasileiros em 2012.
Especialmente a primeira regra me trará alguns problemas, como você pode ver nos comentários sobre os filmes.
1. Os homens que não amavam as mulheres
Mikael Blomkvist é um jornalista com problemas financeiros que recebe uma proposta para investigar o desaparecimento da neta de um rico industrial sueco. Para isso, ele precisará da ajuda de Lisbeth Salander, uma hacker solitária que tem um passado brutalizado.
Não assisti a versão sueca desse sucesso literário e cinematográfico. A Dani Busanello lembrou-me que os três filmes suecos da série Millenium já estão disponíveis em vídeo. Também não li os livros que deram origem ao filme. Por isso, fui bem crua ao cinema, sem saber basicamente nada da história.
Aqui começa o problema com a primeira regra que determinei para essa lista. Para muitas pessoas, Lisbeth Salander não é a personagem principal do filme. Porém, o filme não pode existir sem ela. Especialmente por sua história, que está conectada com o mistério do enredo. É uma heroína impulsiva, extremamente inteligente, que aprendeu a sobreviver e a se defender num mundo de homens.
[+] Os homens que não amavam as mulheres. Texto de Renata Lima sobre os livros e o filme sueco.
[+] Os homens que não amavam as mulheres. Texto de Deh Capella sobre a versão americana do filme e sobre a misoginia na filmografia de David Fincher.
[+] Receita: como amansar mulheres em dois mil anos (fácil e rápido, agrada toda a família). Texto de Yaso que faz uma comparação entre as versões dos filmes sueco e americano.
[+] Defesa pessoal: conheça sua força. Texto de Jeanne Callegari que cita a personagem literária Lisbeth Salander como exemplo de alguém que conhece sua força e sabe se defender.
2. Tomboy
Laure tem dez anos e acaba de se mudar para uma nova casa com seus pais e sua irmã caçula, Jeanne. Ao explorar a nova vizinhança e tentar fazer amigos, Laure decide se apresentar como um menino, usando o nome de Michael. Com cabelos curtos e roupas simples as outras crianças não notam a diferença. Porém, a farsa exige cada dia novos desafios, pois Laure não quer que ninguém a descubra.
É um filme francês belo e sensível que nos mostra como Laure enfrenta essas dificuldades diárias. Como tomar banho no lago? Como fazer xixi no intervalo do jogo? O que fazer quando uma de suas amigas começa a gostar de você? A família de Laure a ama e é muito carinhosa, mas como será quando seus pais descobrirem que ela mentiu para os novos amigos? E por que Laure quer ser um menino? O filme não nos traz todas essas respostas, muitas vezes nem faz essas perguntas, mas é delicado e sincero ao tratar do tema.
3. Albert Nobbs
Na Irlanda do século XIX, Albert Nobbs é o mordomo e garçom de um hotel. Sempre perfeito, pontual, prestativo e silencioso. Praticamente invisível em muitos momentos. Porém, Albert Nobbs esconde há muitos anos um segredo: é uma mulher. Vive como um homem, se veste como tal e apaixona-se por uma bela jovem. Sua vida muda quando conhece o pintor, Hubert Page, que mostrará que seus sonhos podem tornar-se realidade.
Numa sociedade extremamente machista, como uma mulher pode trabalhar e ganhar respeito, especialmente quando se é pobre e não tem família? Sendo um homem. Esse é o cotidiano de Albert Nobbs. Também é um ótimo filme para se pensar sobre transexualidade e transgeneridade. E aqui também, minha primeira regra para fazer essa lista talvez não funcione, porque minha sensação é que Albert é um homem. A caracterização das atrizes Gleen Close e Janet McTeer é impecável, o filme vale especialmente pela atuação das duas.
No futuro, a população está dividida em distritos e é controlada por um regime totalitário que promove anualmente os Jogos Vorazes. Uma competição em que 12 jovens devem lutar até a morte. O único que sobreviver será o grande vencedor. Para salvar sua irmã caçula, Katniss Everdeen se oferece como voluntária para representar seu distrito na competição. A partir daí ela desafiará o poder da Capital.
Não li os livros da série, fui ao cinema sem saber o que esperar. Katniss me parece ser a grande heroína de filmes de ação do ano. Ela surge num impulso, porém não conhece seu potencial, que pode ser a grande ameaça a Capital, a cidade que personifica o regime totalitário que tem como base castas sociais divididas em distritos. Os distritos ricos treinam seus filhos desde pequenos para vencerem os Jogos Vorazes. Os distritos pobres sofrem anualmente quando um dos seus é sorteado. Katniss precisou ser esperta para sobreviver na pobreza do Distrito 12 e não tem medo de quem a vê como lixo.
[+] Jogos Vorazes é feminista o suficiente? Texto de Jeanne Callegari sobre críticas feitas ao filme.
[+] Katniss, Anastasia e os finais felizes. Texto de Liliane Gusmão que compara os finais de algumas trilogias literárias.
5. Prometheus
Elizabeth Shaw pesquisa há anos sinais e mensagens deixadas na Terra por extraterrestres. Em busca de respostas para a origem da raça humana, ela e seu parceiro convencem um milionário a patrocinar uma viagem interestelar para explorar um planeta distante. Eles partem, junto com uma equipe multidisciplinar e um robô-humano, na nave Prometheus.
Na mitologia grega, Prometeu é o titã que roubou o fogo de Zeus e o deu aos homens. É acima de tudo um defensor da humanidade. Porém, Prometheus é um filme de ficção científica que fala sobre mulheres, sobre suas esperanças, seus estereótipos, suas buscas e crenças. Há uma cena especial, que nos diz muito sobre ser mulher, quando Elizabeth tenta ligar uma máquina que realiza cirurgias. Elizabeth Shaw tem vários elementos já vistos na heroína Ellen Ripley de Alien, o oitavo passageiro.
A cena do “parto”, especialmente, é linda, com a injeção de anestesia paralisando a câmera à altura dos olhos da pessoa deitada, que então assiste ao resultado do seu desafio aos deuses. Nesse sentido, Prometheus, embora tenha toda uma vocação para a megalomania, é muito coerente com outros Alien, que não são mais do que contos de cautela sobre o horror de ser mulher em um universo de homens. Trecho da crítica de Marcelo Hessel no site Omelete.
6. Valente
Merida é uma jovem princesa irlandesa, crianda pela mãe para seguir os costumes de seu reino. Porém, ela insiste em cavalgar e praticar arco e flecha ao invés de se dedicar a tapeçaria e outras atividades femininas. Merida e a mãe, Elinor, acabam entrando em conflito contantemente. Quando uma competição é organizada para escolher seu futuro marido, Merida decide recorrer a uma bruxa.
A primeira princesa da Disney (feita pela Pixar) que não tem um interesse amoroso como trama principal. Parece que algo está realmente mudando. Merida é ruiva, com uma longa cabeleira indomável, escala montanhas e acerta alvos certeiros com suas flechas. É uma princesa que se identifica muito mais com o pai do que com a mãe, que sempre está impecável, com cabelos presos e bons modos. O conflito entre liberdade e tradição é o centro do filme, mas como também é um filme da Disney há um final feliz.
Verônica mora com o pai em Recife, acabou de se formar em medicina e está fazendo residência em psiquiatria, trabalhando num hospital público. Gosta de sair com as amigas e de dançar. Tem um relacionamento com Gustavo, que a ama e quer ficar com ela. Porém, mesmo com casa própria, um emprego e um namorado Verônica é inquieta, não está satisfeita. Será que isso é a felicidade? Como será o futuro?
O único filme brasileiro da lista. Verônica é uma personagem extremamente familiar. Uma jovem mulher de classe média independente que encontra-se num ponto da vida em que deveria estar feliz, fazendo planos para formar uma família. Porém, o que Verônica deseja? É essa a pergunta que a personagem se faz ao gravador que a acompanha no quarto, logo após mais um dia de rotina. O sexo talvez seja o fator libertador, mas ela não tem certeza. Talvez Verônica não esteja em busca de certezas. A trilha sonora de Karina Buhr completa o naturalismo do filme, que segue Verônica e nos torna suas amigas nessa busca pela liberdade e o desejo.
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A Anne Rodrigues citou duas contribuições para essa lista:
Achei o filme feminista porque a personagem principal consegue libertar-se e ir ao encontro do seu desejo e não é punida por isso. O filme começa com Margot relatando seu medo de estar entre duas escolhas e ficar paralisada diante disso. Percebe-se que ela claramente ama o marido, tem uma vida confortável e, ao invés de se acomodar nesta situação parte em busca do desejo. Diria que a vida dela é mais do que confortável, ela se diverte com o marido que a ama de forma intensa (vide as brincadeiras bobas que fazem). A dificuldade dela é assumir que ter um homem que a ama e um casamento tranquilo não é o suficiente para fazê-la feliz, como nos diz o senso comum. Na maioria das vezes em que a mulher vai a luta pelo que quer acaba sendo punida. Neste filme ela foi em busca do que queria e termina o filme feliz, mesmo depois de perceber que o novo se torna velho.
Gostei da busca da personagem Kay pela sua felicidade, traduzida especificamente na falta do toque e carinho do marido. Arnold, o marido, é uma pessoa bacana só que fechada em seu mundo, egocêntrico, o que importa são suas necessidades e conforto. No relacionamento do casal a mulher nada mais é do que um objeto a mais que faz toda a engrenagem da vida dele funcionar. Kay não se contenta com esse papel e busca, da forma que ela consegue, se sentir realizada. Vejo muitas mulheres da minha família nesta situação, sem conseguirem quebrar esse círculo e, acredito que o filme possa, ao menos, demonstrar que isso é possível.